Mais resistente e sustentável que o concreto tradicional, o material impresso em 3D permite desenhos disruptivos e uma produção mais rápida
Há uma promessa tecnológica no horizonte da construção civil brasileira: a impressão de concreto em 3D. Embora não se trate de uma tecnologia nova, aqui no Brasil a sua aplicação – viável para infraestrutura de casas, prédios e mesmo edificações urbanas ou marítimas – está dando os primeiros passos, que são cada vez mais largos.
Toda a pesquisa e o investimento na proposta se justificam pelos benefícios inquestionáveis do material: a rapidez da impressão das estruturas, a desmaterialização, a redução de custos a longo prazo, a eficiência energética das construções e a sua resistência física.
Como funciona a impressão do concreto em 3D
A impressão de concreto em 3D funciona como qualquer outra do tipo, a exemplo do plástico: é necessário a matéria-prima, a impressora e o projeto a ser seguido pela máquina.
“O que muda é o tipo de material e a escala dos componentes, que passam a ser muito grandes e pesados, sobre os quais atua a lei da gravidade”, explica Rafael Pileggi, mestre e doutor em Ciência e Engenharia dos Materiais que lidera o laboratório de impressão em 3D do hubIC.
Os componentes que formam o concreto propício para impressão incluem materiais cimentícios, areia, brita e outros aditivos incorporados para tornar o material resistente e permitir uma secagem controlada das camadas impressas. “A diferença para o concreto comum está na necessidade de suportar a camada de cima muito rápido”, diz Rafael.
A isso se dá o nome de propriedade reológica – ou, no jargão da construção civil, trabalhabilidade. É o que fará as camadas inferiores secarem rápido o suficiente para suportar o peso das superiores, que serão impressas sobre o mesmo local.
“Todos esses materiais tendem a ter 5.000 PSI ou mais, o que é ao menos duas vezes mais do que a força do concreto convencional”, explica Zachary Mannheimer, fundador da Alquist 3D, empresa americana que produz estruturas em concreto 3D e foi a responsável pela primeira casa impressa em 3D ocupada por alguém no mundo.
“É isso que aumenta os benefícios da infraestrutura 3D: elas são energeticamente eficientes e não permeáveis, podendo normalmente resistir à maioria das grandes tempestades e intempéries”, acrescenta ele, que se interessou pelo tema após estudar soluções para combater a crise habitacional em seu país.
A impressão do concreto 3D é feita através do que se chama de manufatura aditiva. Segundo Daniel Katz, engenheiro à frente da incorporadora mineira que leva o seu sobrenome, o processo demanda um projeto em arquivo DWG (o formato nativo de arquivo do software AutoCAD®), que será convertido em um formato 3D: o STL.
“Em seguida, você o transforma em G-code, um arquivo que permite ler, a cada segundo, onde deve ser a posição da máquina nos eixos X, Y e Z. Esse arquivo é então jogado na impressora, que é programada com o material à base de concreto”, explica.
Após iniciada a impressão, que pode ser realizada no canteiro de obras ou off-site, o operador regula parâmetros como velocidade dos motores e quantidade de água, mas o resto do trabalho é feito pela própria máquina.
Vantagens do concreto impresso em 3D
Para Rafael, a primeira vantagem do uso do concreto 3D é a desmaterialização da construção. Isso acontece porque as estruturas produzidas com o material costumam ser ocas, e a quantidade do material usado é calculado precisamente pelos softwares para tornar o uso mais eficiente. “Provavelmente se construirá apenas a casca da parede, com o miolo oco e reforços pequenos. É como um bloco vazado”, explica.
A tecnologia também dispensa o uso de formas de madeira, aço ou plástico, comumente usadas em obras com concreto convencional. A característica confere uma vantagem ambiental, econômica e produtiva.
Ademais, trata-se de uma alternativa flexível em termos de design. “Isso nos leva ao mote da impressão 3D: há liberdade de formas, porque não são necessárias modelos e é possível explorar o projeto como se quer. Você pode fazer designs super disruptivos, mas que são eficientes do ponto de vista mecânico e de desmaterialização”, diz Rafael.
Com a impressão 3D, é possível construir diversos tipos de formas e tamanhos, o que seria inviável com a arquitetura tradicional ou outros produtos a um custo econômico.
À lista de benefícios, Zachary inclui que alguns dos materiais utilizados são neutros em carbono, e conta que sua empresa, a Alquist 3D, atualmente, está desenvolvendo um material carbono negativo. “A maioria das casas de concreto 3D podem reduzir pelo menos a metade da energia usada, então há economias significativas e obviamente [a tecnologia é] melhor para o meio ambiente”, acrescenta.
Ademais, ele explica que essas casas impressas com concreto 3D são virtualmente indestrutíveis, o que as torna muito interessantes para regiões que sofrem com desastres naturais, como tempestades, inundações ou incêndios.
O maior interesse, talvez, esteja na economia de custos. Zachary explica que, hoje, os custos tendem a estar no mesmo nível ou ligeiramente acima do valor tradicional de construção, mas prevê que em 2 anos os valores reduzam de 15% a 20%.
“Ao começar a produção, será um pouco mais caro construir do que tradicionalmente seria. Depois que a sua equipe tiver experiência, material local e imprimindo em grande escala, o custo começará a cair”, afirma.
Além disso, como as casas impressas em concreto 3D costumam ser resistentes, ele prevê uma redução dos custos com a manutenção ao longo da vida útil do próprio imóvel.
Atualmente, a Alquist conta com quatro máquinas de impressão 3D e busca começar a franquear o modelo tanto nos Estados Unidos quanto em outros países, como o Brasil, oferecendo programa de treinamento completo, máquinas e material.
Isso leva a uma outra vantagem, segundo ele: a oportunidade de desenvolvimento de força de trabalho. “Aqui nos Estados Unidos é muito desafiador encontrar trabalhadores para construir casas. A tecnologia 3D atraiu e atrairá milhares de pessoas de volta ao setor. É assim que reconstruiremos a indústria”, aposta.
Já aqui no Brasil, Daniel espera que os preços abaixem depois que se desenvolva uma produção maior em série, gerando acessibilidade aos consumidores.
Aqui cabe falar, também, do ganho em tempo: “Podemos imprimir uma casa de moradia popular em 3D, com 50 m², em 20 horas”, diz o engenheiro.
Para quê o concreto 3D pode ser usado?
Tratando-se de construção, a impressão de concreto 3D é capaz de substituir as estruturas convencionais de alvenaria, como blocos de concreto, paredes monolíticas, pilares e vigas.
A propósito, a Katz, empresa de Daniel, está terminando de construir a primeira casa com estruturas de revestimento impressas em concreto 3D, e já aplicou a tecnologia para produzir mobiliário urbano.
A ideia do empresário é também homologar o sistema construtivo junto à Caixa Econômica Federal para usá-lo em programa de habitação, como o Minha Casa, Minha Vida. Além de CEO da Katz, ele é co-fundador da Cosmos 3D, uma empresa criada em parceria com a marca espanhola IT3D. Através dela, Daniel está desenvolvendo o próprio concreto e busca promover tecnologia para outros negócios.
Fora do Brasil, a empresa ICON está construindo um conjunto habitacional de 100 casas impressas em 3D em um projeto também assinado pelo escritório Bjarke Ingels Group (BIG) e em conjunto com a construtora Lennar.
Mas a tecnologia não atende apenas às casas. É possível usar concreto 3D para produzir, por exemplo, muros de contenção, retrofit urbano, floreiras e até mesmo estradas e calçadas, eventualmente.